“A
vitória sobre si mesmo é
a
maior de todas as vitórias.”
[Buda]

Eu não sei nadar. Consequentemente, os maiores perrengues no Rally M+is – Transamazônica
foram as travessias dos rios que cortam a BR – 230 onde, ainda, não existem
pontes. Aliás, uma precária ponte de madeira me dava mais segurança que uma
grande balsa de aço, com capacidade para centenas de toneladas, empurrada por
um rebocador.
Medo de
acidentes; medo de noites ao relento; medo da fome; medo da sede; medos
diversos... Pavor de águas profundas.
Do banco do
carona, quase vi concretizado, por duas vezes, o meu medo de acidentes,
provavelmente, da primeira “oportunidade” eu não sairia vivo para contar a
história;
Deitado em
uma rede emprestada; num colchão improvisado com uma lâmina de espuma ou mesmo
sentado em uma poltrona de plástico, minhas noites ao relento foram
experiências enriquecedoras na companhia de vigias, frentistas, caminhoneiros e
outros viajantes. Com eles substituí o medo pela solidariedade e pelo
companheirismo na estrada;
Com goiabas e
ingás colhidos na beira da estrada, tucumã e biscoitos cream cracker pode-se
servir verdadeiros banquetes. A fome ou o medo dela é um problema bem simples
de resolver. Além dessas iguarias nas estradas, nos centros urbanos a
estratégia “Working For Feed” forneceu o suficiente para garantir a minha
satisfação alimentar;
Um cooler ou
qualquer recipiente de plástico, vidro, metal e um posto de combustíveis: tudo
que o viajante precisa para garantir que o medo da sede seja afastado para bem
longe. Longe dos centros urbanos, em plena selva, as águas cristalinas de rios
e igarapés substituem, com larga margem de satisfação, uma garrafa da melhor
água mineral;
O problema
não é a água para beber, mas a água sob meus pés, com dezenas de metros de
profundidade e extensão. Igarapés que parecem rios, rios que parecem oceanos:
eis o “x” da questão. Da primeira travessia no Rio Xingu, Altamira (PA) à
última no Rio Mucuí, Canutama (AM), foram sete travessias: da penúltima não
esquecerei jamais. Por forças das circunstâncias eu repetiria essa experiência,
de forma mais tranquila, antes de chegar na Amazônia de terras firmes a partir
de Porto Velho (RO). Minha decisão de voltar pelo sul da Amazônia Legal,
deveu-se em grande parte ao meu pavor de águas profundas ainda não solucionado.
Já descrevi a
travessia do Mucuí, sentido Humaitá – Lábrea (AM), o maior perrengue do trecho
e de toda a viagem. Quero agora falar de suas consequências: de como iniciei a
travessia e de como alcancei o outro lado do rio como O Novo Eu.
Relatividade.
Mesmo graves, os problemas na travessia, para meus companheiros de viagem,
talvez não fossem tão grandes assim: rotina de trabalho diriam eles. Do meu
lado, com o piloto automático da sobrevivência ligado, as únicas coisas que
pensava eram: o que Eu estou fazendo aqui? Eu não preciso de nada disso! O
antigo Eu talvez estivesse certo, mas o novo Eu queria mais: colocar à prova
todas as minhas forças, minha coragem e minha determinação.
Força,
Coragem, Determinação: um mantra e uma tatuagem para o antigo Eu. Forjados no
calor da ação, esses valores transformaram-se em genuínas experiências que
fortalecem as minhas convicções que fundamentam os projetos de vida no novo Eu.
Minha grande vitória nessa jornada foi vencer a mim mesmo. Então, medos e
temores façam fila!!! O novo Eu é um Super-Homem! Sua kryptonita continua sendo
as águas profundas – o inimigo, o Golias, está em mim, latente – mas, agora,
com uma única e grande diferença:
- Eu sei que posso vencê-lo!!!
[Sousa, Vital. Empreendimento Sem Fim. Recife, 2015]