“O
segredo da criatividade está em dormir
bem
e abrir a mente para as possibilidades
infinitas.
O que é um homem sem sonhos?”
[Albert
Einstein]
A primeira noite ao relento é um batismo de fogo.
Não há nada de romântico ou aventureiro em se entregar ao sono, estando sem a
proteção de quatro paredes. Os tempos de acampamento na praia da adolescência
de nada serviram. A sensação de medo de deixou alerta como nenhum outro estimulante;
todos os sentidos em alerta máximo; a tensão fazia com que eu não conseguisse
sequer sentar: a vigília seria de pé!
Tudo planejado e executado nos mínimos detalhes:
local, hora, uma boa rede, cobertor, segurança a alguns metros do local, noite
agradável de um céu estrelado e grilos cantantes, mas tudo que eu queria era
ouvir o mavioso canto dos pardais anunciando a alvorada.
Depois de um cansativo dia na estrada, eu precisava
dormir; a jornada no dia seguinte seria mais desgastante: eu precisava descansar.
Como de costume deitei por volta das 11:30, como de costume iniciei minha
sessão de para encerrar o dia agradecendo por estar são e salvo naquela rede do
recente batizado Hostelrante.
Eu não estava em um aeroporto ou rodoviária ou
mesmo em um pátio de posto de combustíveis, não, eu estava em um restaurante de
beira de estrada em plena Selva Amazônica, a dezenas de quilômetros de qualquer
centro urbano. A floresta estava a alguns metros de mim e os perigos dela
também. Eu não me preocupava com as pessoas, havia uma garantia de que o local
era seguro: “aqui ninguém meche com ninguém”: assegurara o dono do restaurante,
afirmando que a prática do hostelranting era bastante comum.
Repeti tantas vezes meu mantra que já conseguia
cadenciá-lo com o canto dos grilos... Comecei a cadenciar os versos dos meus
companheiros de vigília. As horas passavam lentamente e mesmo não estando de
relógio, eu conseguia acertar as horas quando consultava o celular a cada 20,
30 minutos.
Com o passar das horas, vi concretizada a afirmação
do dono do restaurante: outras e mais outras redes foram armadas e trouxeram
certa tranquilidade com relação à segurança. Já passava das 03:00 da manhã...
Às 04:00 o despertador tocou avisando que uma nova jornada estava para começar.
Levantei lavei o rosto e me pus a esperar os pardais e o ronco dos motores.
Esperei em vão pelos pardais. Enfim encontrei um
lugar na terra onde seu canto não era ouvido ao amanhecer e em seu lugar um
coro de Galos e Maritacas em revoada.
Por volta das 05:00 da manhã, começou o burburinho
dos caminhoneiros despertando e iniciando os preparativos para um novo dia de
trabalho. Para mim era esperar a carona e seguir em frente: Altamira estava
próxima. Minha jornada estava na metade, mas dependia, em muito, do Clima.
Foram muitas as noites ao relento; foram muitas as
demonstrações de companheirismo na estrada, de solidariedade. Estas lembranças
reforçam meu objetivo de homenagear o Caminhoneiro João e todos os elos da
cadeia de transporte que envolve o Brasil de Norte a Sul, de Leste a Oeste.
Depois que voltei do Rally, minhas noites são mais
tranquilas; ainda acordo com os estridentes grasnados das maritacas, mas acima
de tudo, ainda acordo pleno, com o sentimento do dever cumprido e a certeza de
que todas as noites por vir serão noites com céu de brigadeiro.
[Sousa, Vital. Empreendimento Sem Fim. Recife, 2015]