Lançada em 2010 nos EUA, a Campanha “Você não é você quando está com
fome”, um conceito criado pela BBDO, para
promover o chocolate (lanche) Snickers, já criou algumas polêmicas. O tema
certamente tem panos para as mangas; dá asas à criatividade de marqueteiros ávidos
por um bom disse-me-disse.
Dia desses, estava eu sentado na frente do meu
almoço, às 14:00, azul de fome, pronto para atacá-lo, quando de relance avistei
um Promotor de Vendas com uma blusa onde lia-se o tema da polêmica Campanha.
Num flash, viajei para a Cordilheira dos Andes, no início da década de 70, quando
com fome, abastados jovens, quase todos de famílias ricas e de classe média
alta de Montevidéu, deixaram de ser eles mesmos; deixaram, pelas regras
correntes da civilidade, de ser seres humanos e transformaram-se em bestas
antropofágicas. Bem, a lembrança foi bem indigesta, mas a fome era grande e a
comida estava mais apetitosa que meus pruridos éticos.
Saciar a fome é uma das mais primitivas
necessidades do ser humano, uma questão de sobrevivência que sobrepuja qualquer
ética. Não foi a busca pelo alimento, pela sobrevivência e o nosso padrão de
alimentação que nos separou das bestas??? Com o magnífico desenvolvimento de
nosso cérebro, da inteligência??? Inteligência muitas vezes deixada de lado
quando a fome aperta. Difícil dizer se existe algo mais motivador que o
alimento: saciar a fome. Ainda guardamos em nossos genes os perrengues da
história da humanidade para encontrar o que comer ou, no caso, não ser comido.
A fome e o seu antídoto, o alimento, estão presentes na nossa história desde uma prosaica Maçã. É algo tão essencial que já se perdeu a cabeça por
causa de alguns meros Brioches.
Recentemente um dos comerciais da Campanha gerou
mais uma polêmica. Na peça publicitária, pedreiros tecem elogios às mulheres na rua. Acostumadas com as
cantadas grosseiras, beirando o assédio sexual, as mulheres se surpreendem e
ficam encantadas as “cantadas” de cunho feminista. Os laboriosos trabalhadores
gritam elogios como “Ei, querida. Tenha um dia adorável” e “Eu gostaria de te
mostrar o respeito que você merece”, além de um improvável refrão gritado em
uníssono pelos pedreiros: “O que nós queremos? Igualdade”. No entanto, no fim
do anúncio, o mistério se desvenda e o slogan da campanha é lembrado: “Você não é você quando está com fome”.
Afinal, o objetivo do vídeo é vender o chocolate Snickers. De todas as
polêmicas levantadas, recordo com clareza de uma matéria do site Adweek
questionando a ideia e retoricamente perguntando:
- “Então, se você está com fome você não é um canalha?”
A simples abstração de que a canalhice pode ser a salvação da
nossa espécie me dá um arrepio na espinha. Meu almoço está esfriando, minhas
anotações enchem meu bloco de notas e a minha fome me faz voltar a realidade.
Eu preciso manter minha identidade. Com fome, Eu não sou Eu e em pouco tempo eu
não serei nada: um saco de pele e ossos. E você está com fome? Você tem fome de
que?
- Eu vou terminar meu almoço e de sobremesa comerei um...
Snickers!!!
Vital Sousa
integrum Consultoria